quinta-feira, janeiro 13, 2011

Uma carta de aniversário

Hoje é meu aniversário, mas é óbvio que vc sabe disso. Foi nesta data que, há 32 anos, vc ganhou sua primeira cicatriz, aquela grande e feia da minha cesariana. Eu jamais gostei de ter te marcado assim, mas você dizia que gostava dela, porque te fazia lembrar de mim. Quem mais além de uma mãe poderia dizer uma mentira dessas com a cara tão lavada, não é?

Vou confessar que, depois de seis anos sem ouvir o seu "Parabéns, minha caçulinha", sem o beijo babado e o abraço apertado nas primeiras horas da manhã, estou quase me acostumando. Quase aprendi a blindar o coração contra a saudade de você. Quase. Mas hoje, não consegui. Precisei te escrever. Não sei se é porque tenho pensado tanto em ser mãe ou se é porque o aniversário de hoje foi o melhor que eu tive desde que você foi embora, mas o fato é que, no meio de uma reunião chata e interminável, bobeei com a blindagem e a vontade de ter você do meu lado bateu com toda a força que nem mil anos vão apagar.

Eu queria te contar tantas coisas. Saber o que você acha do meu cabelo, da minha casa nova. Ouvir você reclamando do jeito que eu cozinho. Te apresentar o meu namorado, dizer que você estava absolutamente certa quanto ao ex, te aporrinhar fingindo não acreditar em nada só pra deixar você me convencer que ter fé é importante. Fazer cara feia quando vc me mandasse encolher a barriga.

Queria que você visse que vestido mais lindo eu estava usando hoje. Certeza que você ia ressucitar só pra morrer de novo de orgulho. Você, que sempre costurou tão bem e sempre inventou um modelito mais fabuloso que o outro, tão poucas vezes me viu usar algo que não fosse calça jeans e camiseta de banda. Que jamais saía de casa (nem pra ir à padaria) sem um batonzinho, não ia acreditar que eu comprei três cílios postiços. Seu queixo ia cair de ver o tamanho do meu salto!

Queria que você visse a mulher segura e briguenta que eu me tornei. Que soubesse que estou segurando a onda de verdade, sozinha. Queria poder te dizer para não se preocupar com nada, que eu estou tão, tão feliz. E que eu entendo tudo, todas as suas decisões. Não precisa justificar nada, não. Mas será que você entende as minhas? Será que vc está muito decepcionada por eu ter priorizado os meus sentimentos dessa vez? Só posso supor, e prefiro supor que não. Que vc está revirando os olhos e me dizendo que é tudo uma grande bobagem.

Queria ter ido pra sua casa hoje, em vez da minha, comer aquele bolo de chocolate com cereja e soprar a vela comum, daquelas que a gente usa quando acaba a luz, porque vc nunca jamais na vida se lembrou de comprar velinhas de aniversário. Depois a gente ia fofocar sobre a família inteirinha, um por um até o último parente de quinto grau, depois ia fazer suposições sobre o final de passione (eu acho que foi a Laura), tomar 6 xícaras de café, reclamar da falta de educação das crianças e do preço do cigarro, fazer planos de caminharmos juntas e eu só iria embora perto da meia-noite, no fundo querendo ficar ainda um pouco mais. Você ia me dar beijos, abraços, me abençoar e pedir pra eu ligar quando chegasse em casa. Talvez enfiasse um daqueles seus bilhetinhos melosos na minha bolsa pra eu só achar dois dias depois e me acabar de chorar.

Eu não estou triste. Vou comemorar bastante com uma porção de gente que eu amo eu que vc tbm amava. Recebi um tantão de demonstrações de carinho verdadeiro. Sei que isso também te deixaria feliz. Desculpe desabafar assim. Mas é que eu agora tenho uma cicatriz igualzinha à sua, enorme e feia. Só que a minha não é na barriga, é um pouquinho mais para cima, bem no meio do coração. E às vezes ela ainda dói bem forte.

Um beijo, com todo o meu amor.

18 comentários:

Anônimo disse...

Lindo, Lindo!


July

Beolina disse...

Nossa, que coisa mais linda...

Amber disse...

Parabéns Su, voc ê é uma das minhas capricornianas favoritas. (ignoro essa tendência de nos remover para sagitário).

Dinorah disse...

Emocionante! Lindo! Que mãe não adoraria uma filha assim? Ela deve estar muito orgulhosa de você.
Parabéns pelo seu aniversário, seja muuuuiiito feliz.
Dinorah

PS.: eu acho que foi o Artuzinho e a Laura.

Srta.T disse...

Tão bonito que dói. :~)

Dani disse...

Parabéns, Su!!
Bjs

Anônimo disse...

Linda, linda, linda.
Faz uns 5 anos que coloquei seu blog nos favoritos, e existe até uma pasta, "Suzana fala", no meu pc.
Posts como esse e outros tantos sempre vão parar lá.

Um feliz dia pra você.
Priscila

Suzana disse...

Obrigada, gente! Desabafos às vezes são necessários, que bom que vcs não se incomodam. <3

Anônimo disse...

nossa ,eu chorei lendo esse texto . ficou realmente mutio lindo e parabéns atrasado .

LizandraMA disse...

Toda vez que eu leio o que você escreve sobre a sua mãe, meus olhos ficam cheios de lágrimas. Foi muito bom comemorar seu aniversário, viu? Falei pro meu pai e a gente ficou se lembrando de quando você chegou no escritório a primeira vez. Magrinha, com o cabelo bem comprido, meio vermelho. Tão tímida. Logo depois que você saiu, a gente falou: "É ela, né?" Tinha que ser.
beijo enorme

Gracia disse...

Dearest, estarei aqui, sempre pronta pra uma massagem cardiaca, qdo a cicatriz doer. Ou só segurar sua mão, se assim o preferir. Amo-te. Bjs

isa disse...

vc pode não estar triste, mas eu tô aqui chorando horrores de ler este texto... : )

Fernanda disse...

muitos dias atrasada, mas precisava dizer: texto lindo.

feliz aniversário (é só um por ano, então não tem essa de "atrasado", oras).

Anônimo disse...

O texto está bonito mas vc se faz muito de vítima.Veja ao seu redor quantas pessoas já passaram pela morte das mães.
Cultivar esse luto eterno não leva vc a lugar nenhum.

Suzana disse...

Gracia, Liz e Isa, amores de mi vida, de perto ou de longe é bom demais ter vocês na minha vida. Querido anônimo, vá dar um beijo na sua mãe e não me encha o saco.

Stella Wilderom disse...

Su, fazia um tempo que não passava aqui, acabei de ler seu post e amei... Chorei litros aqui (ok, o Rodrigo diria que sou pamonha), mas realmente o texto está lindo e sua mãe deve estar orgulhosa de você. Tudo bem que só nos vemos nos aniversários da vida, mas pode contar comigo pro que der e vier... Quem viveu sob aquele mesmo teto em CWB está unido para sempre! bjs, Ste

Tainá Martins disse...

Suzana,
Acompanho há muitos anos o seu blog. Divirto-me e, claro, me emociono sempre que eu o leio. Você me levou às lágrimas. Compartilho dos mesmos sentimentos e da mesma dor, pois perdi meu pai há 11 anos. Tenho como costume escrever-lhe cartas. Mesmo com tanto tempo e escutando comentários de pessoas - como foi o caso desse anônimo desalmado - deixo a lembrança dele sempre viva em mim. É uma forma de me aproximar da saudade que bate nos momentos mais inesperados.
Linda a sua homenagem. Ela, de onde quer que esteja, sentiu o beijo com todo o seu amor.

Suzana disse...

oi, Tainá

Eu acho que toda forma de manter as lembranças vivas dentro da gente são válidas. é importante sim, por mais que algumas pessoas discordem, a gente deixar a saudade chegar e preservar o amor pelas pessoas, mesmo que elas não estejam mais aqui. e nem sempre a saudade precisa ser ruim. é sinônimo de amor também. Cuide com amor das suas lembranças!