terça-feira, junho 23, 2009

Confort food


Sempre me agradou brincar de fazer comidinhas, mas rolava uma puta preguiça de aprender de fato. Preguiça e minha intolerância à críticas fizeram com que eu passasse 26 anos afastada do fogão. Quando eu casei, rolou um certo desespero na família, que achou que eu ia viver de cheetos. Mas o marido da vez cozinhava bem, não permitia que eu chegasse a mais de 3 metros da cozinha, todo mundo se acalmou e eu me fiz de morta. Depois eu separei e novo desespero da família, que mandou quilos de congelados e recomendações sobre como operar o microondas.

Enquanto tudo isso acontecia, eu fazia minhas experiências e vou te contar, era frustrante. Num dia o arroz saia sopa. No outro, pedra. No outro, com gosto de vômito. Queimei sopa Campbells, queimei miojo, queimei nuggets e botei fogo na cozinha duas vezes. Cada vez que alguém cuspia o que eu cozinhava, eu jurava que ia desistir. E eu acho que se minha mãe não tivesse morrido, eu teria mesmo desistido.

Mas né. Quando as pessoas perdem alguém de quem gostam muitíssimo, criam uns mecanismos bizarros para prolongar a permanência dos sentimentos e sentidos ou para tentar ignorar a ausência ou só para confortar o coração. E foi mais ou menos isso que aconteceu. Quando fomos separar as coisas depois do enterro, achamos uma tonelada de cadernos de receitas escritos por ela. Eu nem disse nada, todos acharam simplesmente óbvio que essa herança fosse minha.

Comecei a folhear por curiosidade, para abrandar saudades só. Um dia animei e fiz uma das receitas e a sensação foi ótima. Era como se fosse uma homenagem, uma forma de manter vivo o “legado”, de passar adiante o que ela havia construído. Era também o mais próximo de conexão com ela que eu poderia ter. E o melhor: a comida ficou bem boa – panquecas – e virou minha especialidade. Hoje, a minha é melhor do que a dela.

Mas a partir daí, comecei a tomar gosto pelas horas picando, moendo, amassando, medindo, temperando, mexendo. Acho incrivelmente terapêutico e fico num bom humor inacreditável quando invento algum prato. Poucas coisas me deixam mais feliz do que oferecer jantares bem gordos para dúzias de pessoas ou descobrir um livro realmente bom de receitas. E é uma das poucas – talvez a única – coisas em que eu me aprovo pra valer.

Apesar do início torto, valeu a pena ter insistido. Hoje ninguém mais cospe minhas comidinhas e eu sonho com o dia em que ganharei uma bolada na megasena e poderei dedicar todos os meus dias a cozinhar para os amigos enchendo a cara de vinho durante o processo. É um bom vislumbre de aposentadoria.


*Pra quem também gosta do tema comidinhas e está começando a se arriscar na área, recomendo o livro da Nigella, a gordinha bonita do programa de TV: Nigella Express. Dezenas de receitas ridículas de tão fáceis e muito, muito rápidas. Fiz um macarrão com queijo espetacular em 30 minutos ontem - o da foto lá de cima. E tem um capítulo inteirinho sobre confort food. Nham.

8 comentários:

Menina Dedê disse...

Ai, gente, acaba comigo... Achei lindo isso. De recordar através de receitas.

Coloca aí a receita das panquecas!

Momento Descontrol disse...

Haha, coloco sim. Na verdade, tô querendo fazer um blog só pras receitinhas, com fotos e tals. Só falta espantar a preguiça.

dima disse...

Engraçado como a cozinha tem esse poder de acolher, em inúmeros aspectos....
E tb super recomendo a Nigella, no livro e na TV.

Talita Tâmara disse...

ADOREI.

Acho que vou super precisar disso agora que sou uma semi-esposa...hahahaha

Olheiro da Desgraça disse...

Dá uma olhada nesse blog de uma amiga minha: http://www.pratoteste.blogspot.com/

Momento Descontrol disse...

Marcão, adorei o prato teste!

Elis Marchioni Rojas disse...

Su, eu adoro cozinhar e sinto exatamente o que você disse quando faço um prato da minha avó: é como se eu fizesse uma homenagem àquelas memórias.
Lembro de muitos momentos na cozinha, eu ao lado dela, picando, jogando conversa fora... e os pratos saíam uma belezura. É o que tento fazer todos os dias. :)

Fulano disse...

Impressionante... estava aqui lendo seu texto, e te achando uma zé por queimar até miojo. Eu adoro cozinhar, e a medida que o post foi desenrolando comecei a pensar "vou recomendar o livro da Nigella que comprei semana passada". E num é que vc termina o post falando exatamente o que eu me preparava p falar? Esse blog é um misto de alegria e frustração.