Estou lendo de novo. Tinha lido há algun anos, numa época em que minhas botas pareciam ser as mais pesadas do mundo inteiro. Naquele tempo eu acreditava ter perdido tudo, família, amigos, marido, até os bichos de estimação tinham ido embora. Meu único objetivo, quando acordava, era conseguir fazer as horas passarem depressa o suficiente para que eu pudesse dormir de novo, de preferência por muito tempo. E foi bem difícil acabar o livro, porque é uma história engasgada de perdas, e cada linhazinha que eu lia parecia um anzol descendo pelo meu coração.
Então decidi ler de novo agora, quando minhas botas estão mais leves do que plumas, para ver que outro sentido eu tirava da história. E estou vendo que o anzol continua lá, puxando tanto quanto antes. Mas meu coração parece estar mais resistente. Ao contrário de antes, quando eu queria ser colocada no colo e amada da mesma forma que o Oskar, hoje eu tenho vontade de dar colo e amar o Oskar. Parece que não preciso mais ser aquele que se faz roxos, porque estou forte o suficiente para cuidar dos roxos. os meus e os dos Oskars.
Não é que eu não sinta mais as perdas nem lamente toda a dor que vem com elas. É só que eu não penso mais no que poderia ter feito para evitá-las. Não busco mais jeitos de reconstruir o que se foi, pessoas para substituir as que não estão mais aqui. Aceitei que elas são insubstituíveis e sempre serão parte de mim. O que não existe mais sempre vai estar vivo enquanto eu estiver, pois foi o que fez o que eu sou.
E tudo que eu não quero hoje é deixar de existir, sumir, desistir. Quero com muita força continuar a escrever a minha história, uma história nova que deve ser bem diferente daquela que passou porque eu sou diferente da pessoa que viveu aquele passado. Parece piegas, mas hoje eu quero que cada dia dure bastante, porque as 24 horas são muito pouco para todas as coisas que eu estou construindo e para estar com todas as pessoas que trocam minhas botas por sapatilhas de balé. Não se trata de uma felicidade eufórica, ansiosa. Se trata apenas de existir com satisfação.
Sobre o livro, tenho a sensação de finalmente ter entendido o que a Vó quis dizer.
"Passei a vida aprendendo a sentir menos. Cada dia eu sentia menos. Isso é envelhecer? Ou é algo pior? Não é possível proteger-se da tristeza sem antes proteger-se da felicidade."
8 comentários:
E o nome do livro é?
Obrigada por isso, Su! Por que sabe, minhas botas estão muito pesadas hoje, mas você me lembrou que eu já usei muita sapatilha também.
ai, que saudade! do livro, de você, ai!
Que curioso! Comprei esse livro nessa última sexta-feira, depois de procurar em muitas livrarias. Planejei lê-lo após terminar um outro, mas fui dando uma olhadinha e não consegui parar. Terminei nessa madrugada, e achei incrível. Uma doçura dolorida, uma inocência cruel, uma história fantástica.
Fiquei curiosa, qual o nome do livro??
Amo esse livro.
E, Su, a vó tem toda a razão...
Se você vai engrossando a casca para evitar o sofrimento, para diminuir a permeabilidade com a vida mesmo... óbvio que as coisas boas também atravessam com dificuldade, né?
Bjs, querida.
Gente, pra quem perguntou, o nome do livro é "Extremamente alto & incrivelmente perto" e o autor é Jonathan Safran Foer.
Extremamente gente grande!
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